Em 1987, o carnaval carioca perdeu dois artistas que marcaram os desfiles das escolas de samba. Um era barroco, histórico, requintado. O outro, delirante, tropicalista, contestador. O que eles tinham em comum? A genialidade! Estamos falando de Arlindo Rodrigues e Fernando Pinto.
Arlindo começou no carnaval aos 29 anos, na revolucionária equipe salgueirense comandada por Fernando Pamplona, em 1960, com o enredo "Quilombo dos Palmares". Dele surgiu toda a concepção de um dos maiores momentos da história do carnaval carioca nesses 80 anos: o memorável desfile do Salgueiro de 1963, "Xica da Silva", que trouxe figurinos impecáveis, bom gosto e um luxo até então inéditos na Avenida.
Arlindo ficou na vermelho e branco até 1972, participando de outros carnavais inesquecíveis, como "Bahia de todos os deuses" (1969) e "Festa para um Rei Negro" (1971). Em 1974, já na Mocidade Independente de Padre Miguel, deslumbrou o público com a "Festa do Divino". A grande consagração veio em 1979, com "O Descobrimento do Brasil". Depois, foi para a Imperatriz Leopoldinense, onde foi bicampeão em 1980 ("O que é que a Bahia tem") e 1981 ("Teu cabelo não nega").
Com muita bagagem cultural e uma preferência por temas históricos, Arlindo virou especialista também em temas africanos. É dele um dos mais belos trabalhos de todos os tempos no campo da arte negra, ao falar de uma (im)provável visita do Rei da Costa do Marfim a Xica da Silva, na Imperatriz Leopoldinense, em 1983.
Já em 1986, na União da Ilha, Arlindo se reinventou e elaborou um carnaval alegre e colorido, bem ao estilo da escola insulana. Foi o ano das "Assombrações", que trouxe também muito requinte, bom gosto e bom humor para a Sapucaí. Entre as assombrações, estavam o leão do Imposto de Renda, o FMI e o medo da bomba atômica. Em 1987, Arlindo morreu após assinar seu último desfile para a Imperatriz. O enredo era "Estrela Dalva". Por coincidência, o samba começava a frase "Oh, saudade... Hoje você é carnaval"...
O verde na bandeira e o Brasil no coração
Em 1971, um pernambucano animado, criativo e muito boa-praça chegou para abalar as estruturas do Império Serrano. Seu nome era Luís Fernando Pinto, que criou para a escola da Serrinha o enredo "Nordeste, seu povo, seu canto, sua gente". No ano seguinte, já foi campeão com um desfile inovador, contado seu enredo como se fosse um espetáculo de teatro de revista. Era o "Alô, alô, taí Carmen Miranda".
Até 1978, Fernando Pinto ficou na verde e branco imperial. Em 1980, assumiu o carnaval da então campeã Mocidade Independente, em substituição a Arlindo Rodrigues. E apostou todas as fichas num enredo brasileiríssimo: “Tropicália maravilha”. Quase chegou lá: conquistou o vice-campeonato. Um dado curioso é que Fernando Pinto só trabalhou em escolas que tinham a cor verde na bandeira. Foi assim também em 1982, quando teve uma rápida passagem pela Mangueira, com o enredo "As mil e uma noites cariocas".
De volta à Mocidade, Fernando Pinto emplacou três carnavais impactantes: "Como era verde o meu Xingu", que contava as lendas, as crenças e os rituais dos povos xinguanos. Depois botou a irreverência em rotação máxima para trazer para a Avenida um tema sobre a história do contrabando no Brasil, com "Mamãe, eu quero Manaus". E no ano seguinte, 1985, a grande revolução: levou o carnaval para o futuro e colocou o nome da Mocidade novamente na constelação das grandes campeãs do carnaval carioca, com "Ziriguidum 2001".
Em 1987, veio outro grande enredo: "Tupinicópolis". Imagine uma grande cidade brasileira, caso não tivéssemos sido "descobertos" pelos portugueses. Pois bem, essa cidade cruzou a Sapucaí, com tudo o que tinha direito: boates, prostitutas, cassinos, shopping center, hotel, farmácia, banco, presídio... O último delírio de um carnavalesco que soube trabalhar como ninguém a brasilidade em sua mais bela expressão.
Assim como Arlindo Rodrigues, Fernando Pinto nos deixou em 1987. Parece que, lá em cima, queriam fazer um carnaval de anjos, querubins, índios e frutas tropicais. Era o encontro do "notável artista que encenou a história" com a "irreverência que fez a Passarela delirar", como contou a Mocidade Independente no “Vira, virou”, de 1990. Eram Arlindo e Fernando, dois criadores que tinham em comum a arte de mostrar ao Brasil o que era, de fato, o Brasil. E como deixam saudades...
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