ANÁLISE DA LETRA DO SAMBA 2012 DA BEIJA-FLOR DE NILÓPOLIS
Caros Senhores, a partir de hoje, vez por outra,
postarei uma análise das letras de alguns sambas das escolas do Grupo Especial
para o carnaval 2012. Esclareço que me
proponho tal "aventura" por ser formada em Letras.
***
A primeira coisa que desperta a atenção no samba da
Beija-Flor é a disparidade métrica de seus versos. Tal fato pode revelar uma
desatenção dos autores em deixar o samba mais gostoso e fácil de ser cantado.
Como a presente análise se deterá apenas à análise da letra, não analisarei se
realmente acontecem problemas no encaixe da letra com a melodia.
O samba possui vocabulário de fácil entendimento,
poucas palavras como "Daomé", "Nagô", entre outras, é que
podem causar algum estranhamento, por serem originadas de línguas africanas.
Na primeira estrofe, há um relato confuso sobre a
chegada dos colonizadores. Os versos trazem informações truncadas, que, muitas
vezes, parecem organizadas amontoadamente.
Há até mesmo equívovos ingênuos como em "O homem nativo da
terra". Ora, se é nativo é porque é de algum lugar. Talvez se o nome do
lugar fosse citado, tal problema fosse solucionado. Um exemplo de confusão
semântica aparece na seguinte parte: "A maldade não tem fé sangrando os
mares"/"Mensageiro da dor"/"Liberdade roubou dos meus
lugares".
Com toda a liberdade poética que o compositor,
artista que é, tem, ele necessita priorizar o entendimento de sua obra, até
mesmo porque trata-se de uma samba-
enredo, ou seja, uma obra artística que vai além da arte, já que terá uma
função prática durante a realização do desfile: narrar com clareza o enredo a
ser contado. Dizer que a maldade não tem fé (há alguma fé, no sentido religioso
da palavra, com maldade?) soa estranho e forçado. Vemos aí ainda os velhos
artifícios poéticos de subtrair o artigo inicial no início do verso ("[O]
Mensageiro da dor", [A] Liberdade roubou dos meus lugares", bem como
de colocar a frase na ordem indireta, "Roubou liberdade dos meus lugares",
virou "Liberdade roubou dos meus lugares".
Existe ainda, nessa primeira estrofe, uma confusão de
vozes, pois, numa hora, o eu-lírico se coloca como observador, de
repente, vira personagem. Talvez isso aconteça devido à criticada junção de
dois sambas para formar a obra analisada. A única possibilidade, para que os
autores se defendam diante da confusão de vozes apontada é alegarem que em
"Liberdade roubou de meus mares", o pronome "meus", não faz
referência ao eu-lírico, mas seja uma personificação da cidade homenageada, como
se ela "falasse" tal verso.
Na segunda estrofe, há a profusão costumeira de
palavras de origem africanas, o que já se considera um recurso mediocrizado de
tanto que já fizeram uso dele ao longo dos anos.
Na terceira estrofe, o discurso ganha um novo tom.
Sai do resgate histórico e entra na citação de vários elementos da cultura
maranhense, mas não há o devido acabamento nessas citações, elas são como rosas
mal arrumadas no vaso. Chama a atenção, nesta estrofe, o trecho "Hoje a
minha lágrima transborda todo o mar"/"Fonte que a saudade não
secou". Há aqui novamente uma
tentativa de utilização da linguagem metafórica fracassada, pois o que seria
"uma lágrima tranbordar o mar", há ainda um equívo de
referencialidade, pois a palavra "fonte" faz referência a "lágrima"
ou a "mar"?
A última estrofe talvez seja a melhor parte do samba,
pois os autores conseguiram utilizar o
recurso da intertextualidade, aludindo ao poema "Canção do Exílio",
mas com clareza, ritmo, numa métrica equilibrada, dando a devida dimensão de
sua capacidade criativa. Se o restante da obra tivesse acompanhado a qualidade
da derradeira estrofe, certamente teríamos um grande samba.
Até a próxima.
Confira a letra do samba enredo Oficial da Beija-Flor 2012
Confira a letra do samba enredo Oficial da Beija-Flor 2012
Autores: J. Velloso - Adilson China – Carlinhos do Detran - Samir – Serginho Aguiar - Jr. Beija-Flor - Silvio - Romai - Hugo Leal - Gilberto Oliveira - Ricardo Lucena – Thiago Alves – Romulo Presidente
Intérprete: Neguinho da Beija-Flor
Tem magia em cada palmeira
que brota em seu chão
O homem nativo da terra
Resiste em bravura
A dor da invasão
Do mar vem três Coroas
Irmão seu olhar mareja
No balanço da maré
A maldade não tem fé sangrando os mares
Mensageiro da dor
Liberdade roubou dos meus lugares
Rompendo grilhões em busca da paz
Na força dos meus ancestrais
Na casa nagô a luz de Xangô axé
Mina Jêje um ritual de fé
Chegou de Daomé, chegou de Abeokutá
Toda magia do vodun e do orixá
Ê rainha o bumbá-meu-boi vem de lá
Eu quero ver o cazumbá,
sem a serpente acordar
Hoje a minha lágrima transborda todo mar
Fonte que a saudade não secou
Ó Ana assombração na carruagem
Os casarões são a imagem
Da história que o tempo guardou
No rádio o reggae do bom
Marrom é o tom da canção
Na Terra da Encantaria a arte do gênio João
Meu São Luís do Maranhão
Poema encantado de amor
Onde canta o sabiá
Hoje canta a Beija-Flor