Antes de continuar com a minha análise sobre algumas das obras que serão levadas para a Avenida pelas agremiações do Grupo Especial do Rio de Janeiro em 2012, gostaria de agradecer ao meu público leitor fiel, que só aumenta a cada coluna. Isso é o combustível que me move a sempre querer fazer uma coluna de melhor qualidade. Muito obrigada mesmo!
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O samba que analisarei, desta vez, é o do Salgueiro. De antemão, gostaria de explicar que a análise é comparativa, logo comparando o samba da Beija-Flor, anteriormente analisado, com o do Salgueiro, concluo que este leva uma vantagem, pois descreve melhor o enredo, apesar de ainda não conseguir a clareza necessária. Infelizmente, os compositores de hoje dificilmente conseguem sintetizar um tema/enredo, dentro dos elementos da linguagem poética de maneira perfeita, como os de outrora. Se pegarmos um samba como "O Mundo encantado de Monteiro Lobato", perceberemos o que é sintetizar um enredo poeticamente com perfeição. Mas, vamos à análise.
Numa primeira leitura, o que mais desperta a atenção na letra do samba salgueirense é a utilização, em larga escala, de palavras grafadas de acordo com o suposto "modo de falar" do povo nordestino, certamente com o até aceitável pretexto de o enredo ser sobre literatura de cordel. Apesar de ser um recurso comum em sambas com temáticas nordestinas, acho isso um pouco perigoso, pois se o objetivo das escolas é aclamar a cultura nordestina, por que a necessidade de se generalizar o modo de falar dos nordestinos, como se, no Nordeste, só existissem pessoas de pouco estudo, incapazes de articular uma frase na linguagem padrão da Língua Portuguesa? Por que, quando as escolas falam de temas ligados a São Paulo ou Rio de Janeiro, não citam a maneira peculiar que os moradores de tais regiões falam? Será que todos os moradores de São Paulo e Rio de Janeiro fazem uso do Português padrão? São por esses meandros que o preconceito se revela.
Continuando... O samba alterna versos curtos com versos bem maiores, não obedecendo a qualquer métrica. Quanto ao esquema de rimas, não há qualquer estudo mais aprofundado por parte dos compositores, são rimas feitas a esmo, sem uma visão de conjunto, a qual poderia dar um acabamento magistral à obra.
Na primeira estrofe, um eu-lírico em primeira pessoa, começa a narrar fatos ligados ao enredo. O ponto positivo é que, diferentemente do samba da Beija-Flor, não acontece a confusão de vozes, ou seja, o eu-lírico permanece em primeira pessoa até a última estrofe. Porém há, nesta estrofe, uma espécie de má arrumação frasal, como no trecho "Viagem encantada" / "Amor que vence na lenda", no qual houve uma "forçacão de barra" para a palavra "lenda" rimar com "encantada", empobrecendo a beleza poética do samba, além de causar um “certo” estranhamento sonoro na junção "nalenda".
A segunda estrofe é arrojada e, por possuir versos curtos e menos assimétricos, têm uma síncope sonora muito gostosa o que tende a favorecer o canto, até por se tratar do refrão de meio.
Na terceira estrofe, o samba perde um pouco em qualidade, pois acontece a mesma falha já evidenciada no samba nilopolitano: a citação de fatos de temáticas ligadas ao enredo, só que uma citação abrupta, na qual as frases se amontoam semanticamente umas sob as outras, sem a devida coesão poética que é, deveras, mais difícil de ser conduzida do que na prosa. Até mesmo em momentos de grande beleza lírica, como em "Salgueiro, teus trovadores são poetas da canção" / "Traz sua corte, é dia de coroação", os compositores perdem a mão ao introduzirem o tosco verso "Não se 'avexe' não", de uma pobreza poética assustadora.
A última estrofe é de muito bom gosto, e até melhor do que a segunda, mais bonita, ao se enaltecer o amor pela própria agremiação.
Em linhas gerais, considera-se que o samba do Salgueiro é, na letra, superior ao da Beija-Flor, pois, se por um lado, peca muito na questão poética, com passagens frias, por outro lado consegue narrar o enredo de uma maneira mais clara. Já o samba nilopolitano, nem isso conseguiu, além de embaralhar o enredo, possui uma pseudo-poética que de longe encanta mais que de perto.
Até a próxima.
Obs.: Agradeço - mais uma vez - ao Thiago Vergete que, mesmo sofrendo pressões, continua me cedendo um espaço em seu interessante blog. É sempre bom ver um jovem audacioso tomando posição diante das "forças ocultas" de um sistema pré-determinado.
CONHEÇA A LETRA OFICIAL DO SAMBA ENREDO DO SALGUEIRO 2012
Enredo: Cordel branco e encarnado!
Compositores: Marcelo Motta, Tico do Gato, Ribeirinho, Dilson Marimba, Domingos PS e Diego Tavares
Sou "cabra da peste"
Oh minha "fia", eu vim de longe pro salgueiro
Em trovas, errante, guardei
Rainhas e reis e até heróico bandoleiro
Na feira vi o meu reinado que surgia
Qual folhetim, mais um "cadim, vixe maria!"
Os doze do imperador
Que conquistou o romanceiro popular
Viagem na barca, a ave encantada
Amor que vence na lenda
Mistério pairando no ar
Cabra macho justiceiro
Virgulino, é Lampião
Salve, Antônio Conselheiro
O profeta do Sertão
Vá de retro, sai assombração
Volta pra ilusão do além
No repente do verso
O "bicho" perverso não pega ninguém
Oh meu "padinho", venha me abençoar
Meu santo é forte, desse "cão" vai me apartar
Quero chegar ao céu num sonho divinal...
É carnaval! É carnaval!
Salgueiro, teus trovadores são poetas da canção
Traz sua côrte, é dia de coroação
Não se "avexe" não
Salgueiro é amor que mora no peito
Com todo respeito, o rei da folia
Eu sou o Cordel Branco e Encarnado
"Danado" pra versar na academia