Por Emília Cunha
Certa vez, fui a um
velório de um abastado tio e, lá, uma cena chamou bastante a atenção de todos
os presentes: a esposa do morto, uma verdadeira megera, que passara a vida toda
infernizando sua vida, inclusive, diziam as línguas nervosas, traindo-o,
protagonizava um verdadeiro espetáculo teatral. Gemia, gritava, agarrava o
corpo, bradava a Deus que a levasse também, pois não suportaria viver mais,
enfim, um decadente escândalo, recheado da mais pura hipocrisia existente em sociedade.
Mês passado o carnavalesco João Trinta, depois de
anos de problemas de saúde, faleceu. E claro que sua morte causou um
determinado impacto na mídia nacional, pois ele, deveras, foi um gênio e
mereceu o tratamento midiático que lhe foi dispensado. Mas obviamente que a
morte de uma figura tão famosa e influente no panorama artístico-cultural do
país também ocasionaria a aparição de carpideiras carnavalescas, as quais,
aproveitando-se do momento, véspera de carnaval, utilizariam o falecimento do famoso
carnavalesco para lucrar algum benefício.
É sabido por muitos que João Trinta não era, digamos,
um doce de pessoa. Era centralizador, autoritário, irônico, e adorava chamar
todos os holofotes para si. Há quem diga que a Beija-Flor é obra de João, e os
que afirmam isso não estão errados, pois a escola só passou a produzir desfiles
de qualidade e a ser reconhecida como grande depois que o maranhense deu sua
benção com a varinha de condão da criatividade. E vou além, talvez a fama que a escola de Nilópolis tenha seja
um lasca da fama pessoal que João angariou com sua personalidade inquietante e
polêmica.
Porém, voltando ao assunto (se é que se tenha saído
dele), causou-me profundo espanto a reação que a Beija-Flor teve diante da
morte de seu inventor. Não falo da comunidade, pois esta, certamente, sentiu
muito a morte do Mestre, pois o povo não tem nada a ganhar com atitudes
hipócritas. Falo dos "comandantes" do barco. Neguinho, Selminha, entre
outros, deslocaram-se até a capital maranhense e por lá derramaram suas
lágrimas. Mas, afinal, que relação tão próxima a Selminha tinha com o João?
Fiquei a me perguntar, atônita. Agora, nenhuma cena me chamou mais a atenção do
que a declaração de amor do Sr. Laíla, suposto desafeto de João, em
pleno Jornal Nacional. Fiquei tão
chocada, que me dei ao trabalho de rever o vídeo da reportagem novamente na
internet, pois temia que meus ouvidos tinham-me pregado uma brincadeira.
Infelizmente, não tinham...
Pouco tempo depois, leio que a Deusa da Passarela
fará uma grande homenagem ao seu grande carnavalesco, bem maior do que a que já
faria na última alegoria, já que ele não poderá mais estar presente durante o
desfile. Senhores, a historinha com a qual iniciei esta coluna, repete-se
diante de nossos olhos. Sempre que há um defunto, há quem queira se aproveitar
do momento para chorá-lo, visando algum proveito próprio, numa demonstração
clara da falta de grandeza de que o ser humano é capaz. Em nome do
"eu" toda e qualquer ética é esmagada.
Onde estavam os adorado de João, da direção da
escola, quando ele padecia doente, há alguns anos, precisando de um tratamento
minimizador das sequelas do AVC?
Se ele é tão importante assim para os dirigentes da
escola nilopolitana, porque fizeram questão de, na junção de dois sambas, para
formar o samba do carnaval 2012, amputar justamente o verso que fazia uma
alusão direta ao famoso carnavalesco?
Por que os dirigentes da escola, depois de usarem a
influência de João para captar o patrocínio em Brasília, no ano naquela
fatídica homenagem à cidade, colocaram-no de molho, como ele próprio declarou
em entrevistas, naquela ocasião?
Enfim, Senhores, sei que para o grande público, que
desconhece os bastidores do maior espetáculo do mundo, a homenagem da Deusa ao
João vai ser um momento único, emocionante, e até elogiarão a grata e
"sincera" atitude da escola. Todavia para mim, que acompanho o
carnaval carioca há algum tempo, com olhos atentíssimos, será um momento de
pura hipocrisia, sem a mínima comoção.
Pela grandiosidade da obra que engendrou, pelas
importantes reflexões que suscitou, João não merecia isso. Merecia bem mais...
Um abraço e até a próxima.