SALGUEIRO: QUEM TE VIU, QUEM TE VÊ!
É engraçado que, certos dias, alguns pensamentos nos surgem e não sabemos de onde surgiram ou porque surgiram. Foi o que aconteceu comigo, no último domingo. De manhã cedinho, botei meu biquíni, passei meu bronzeador, refestelei-me na cadeira na beira da piscina, liguei meu mp3 no CD do Grupo Especial Carioca 2012 e, de chofre, do nada, surgiu um pensamento sobre o Salgueiro. E desse pensamento, brotou outro, e deste outro e, assim, uma teia de reflexões, conclusões e até mesmo dúvidas acerca da recente história dessa famosa agremiação. O que aqui exporei, é, em maioria, fruto do momento acima relatado.
O Salgueiro faz tempo não é mais o mesmo. Logicamente que tudo no mundo muda, passa, o mundo é cíclico. Mas, nas manifestações culturais sólidas, há sempre uma raiz, um traço único e inimitável que permanece. O que também sucede com grandes instituições culturais, como as escolas de samba. Peguemos a Portela, por exemplo. Mesmo há quase quatro décadas sem ganhar um campeonato sozinha e sem vislumbrar tal feito num futuro próximo, mantém um traço singular, ou melhor, alguns traços singulares, os quais a fazem ser o que sempre foi. A presença marcante da velha guarda, o chão da escola está aí, os tais traços que falo.
Agora, paremos para pensar no Salgueiro. Uma escola de passado glorioso, uma escola que revolucionou tanto ou mais o carnaval carioca do que a falada e decantada Beija-Flor de Nilópolis, através da nova estética trazida por Pamplona e sua trupe. Analisemos a trajetória desta escola num recorte de tempo, 1984 (ano da inauguração do Sambódromo) até o carnaval de 2011. Quais os grandes desfiles que ela produziu neste período? Que eu me lembre só: 1991 1993 e 1994. Alguns dos Senhores leitores poderão me interpelar, furiosos, e o desfile de 2009, com o qual a escola sagrou-se campeã? E eu, audaciosamente, lhes reponderei, não foi um grande desfile. Logicamente que a estética tinha grande valor, mas se analisarmos os demais quesitos, sobretudo evolução e harmonia, facilmente concluiremos que as notas atribuídas à escola foram uma tentativa do júri e da Liesa de se redimirem diante do escândalo protagonizado pelos salgueirenses depois do 7º merecido lugar de 2007.
E isto é muito pouco, Senhores, alguns desfiles marcantes e dois campeonatos para uma escola do passado do Salgueiro. Em 28 carnavais, a escola venceu apenas 2 vezes, ou seja, um campeonato há cada 14 anos. A Mangueira, por exemplo, com sua estética conturbada e suas crises políticas e financeiras, durante este mesmo período, faturou cinco campeonatos e um supercampeonato, ficando com a boa média de um título a cada 4,6 anos. Mas quais as possíveis explicações para isso? Vou arriscar algumas...
O Salgueiro cometeu, por exemplo, o erro crasso de, depois do grande desfile de 1991, demitir a carnavalesca Rosa Magalhães, que rumou para a Imperatriz e lá se sagrou campeã por cinco vezes. O Salgueiro fez a burrice de escancarar suas portas a uma burguesia usurpadora e sanguessuga que superoficializou (quem não se lembra da famigerada ala da camisa que fez história nos desfiles salgueirenses?) a escola naquilo que ela tinha de mais essencial, seu chão quente, negro, suingado, guerreiro. Há desfiles da escola de alguns anos que mais pareciam de uma escola norueguesa em plena Sapucaí, tamanha a invasão da burguesa gringa.
O Salgueiro teve a falta de senso de, se não me engano, em 1998, romper e lançar seu samba num CD individual, criando um estigma negativíssimo dentro da LIESA. E, por último, o Salgueiro teve a ingenuidade de achar que o fenômeno acontecido em 1993 poderia ser perfeitamente repetido com a escolha de novos sambas frevos, de qualidade para lá de duvidosa, e o que se viu foi a safra da agremiação piorar ano a ano e nada do Ita acontecer novamente, isso prejudicava importantes quesitos, como harmonia e evolução, sem falar nas notas atribuídas aos sambas.
Em 2003, a escola iniciou uma nova era, com a chegada do talentoso carnavalesco Renato Lage, o que gerou uma imensa expectativa no mundo do samba: "será que o Salgueiro agora volta a ser o que foi um dia, será que o casamento da escola com o novo carnavalesco renderá tantos frutos como acontecera com a Mocidade?" Mas as coisas, infelizmente, não aconteceram como era esperado, a escola apresentou uma visível melhoria dos quesitos estéticos, porém continuou escolhendo obras medianas ou ruins e deixando seu chão ser infiltrado por paraquedistas, incapazes de cantar dois versos do samba durante o desfile, prejudicando, de quebra, evolução e harmonia.
O que nos resta é esperar, esperançosos de que a escola retome aquele seu velho traço de escola quente, escola da negritude, da raça, características quem sabe herdadas da madrinha. Infelizmente, por pura ironia, a máxima salgueirense é bem aplicada atualmente, pois "o Salgueiro não é melhor nem pior, apenas diferente." Diferente dele mesmo.
Um abraço e até a próxima.
Emília Cunha
Emília Cunha
Obs.: Agradeço ao Sr. Thiago Vergete pela audácia de me oferecer espaço em seu blog.